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Ansiedade na adolescência: o normal e patológico

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Você sabe o que é ansiedade na adolescência? De maneira geral, mais do que em qualquer outra época da vida, é na adolescência que a ansiedade aparece com mais intensidade. Refiro-me aqui tanto à ansiedade normal e também à patológica.

Outro tema relevante e estreitamente ligado à ansiedade que também aparece vigorosamente na consciência do adolescente é o tema dos valores. Especialmente nos dias de hoje, essa questão toma contornos ainda mais importantes e mais graves para os adolescentes.

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A ansiedade na adolescência e a liberdade

A ansiedade é inerente ao homem. Não dá para imaginar o ser humano sem ansiedade. Como ser-para-a-morte, ao homem ameaça constantemente o não-ser, de modo que a ansiedade está inevitavelmente colocada diante dele por toda a sua existência. Desde sempre e para sempre.

Com esse entendimento da ansiedade, já a estamos diferenciando do medo, uma diferença que não é apenas de grau. A ansiedade tem uma densidade que o medo não tem. Mas há um outro fator com relação à ansiedade que é extremamente importante para o nosso tema de hoje. A ansiedade e liberdade estão sempre próximas.

Liberdade implica em escolha, em possibilidade de mudança. Uma pessoa sem liberdade também não teria ansiedade. Uma vida em que há liberdade, quer dizer, em que há possibilidades de escolhas, é uma vida em contato com riscos, dentre eles, o maior deles, o risco de não-ser. Na verdade, a cada vez que escolhemos alguma coisa importante, a cada vez que temos um ganho, escolhemos também uma perda.

Exemplos de liberdade e mudança

Um exemplo simples: a cada passo que dou em uma caminhada, perco a paisagem anterior, perco o ponto de vista anterior. Um passo à frente, e a paisagem é outra. E não adianta eu querer voltar um passo atrás. Ainda que eu consiga voltar para a mesma paisagem, meu olhar já é diferente, o fenômeno observado, a paisagem anterior, já é outro.

Um exemplo mais complicado: termino, ou não, um casamento? Se eu disser à minha companheira ou ao meu companheiro “acabou, não quero mais!”, a relação nunca mais será a mesma (pode até vir a ser melhor, mas nunca mais será a mesma). Mesmo que eu resolva querer mais… Então, posso afirmar que uma vida sem ansiedade é impossível. Mas, precisamos deixar claro aqui, que neste momento, falo da ansiedade normal e não patológica (adoecedora).

A ansiedade normal é essa de que falei, a inevitável diante da possibilidade de não-ser. É essa ansiedade que usamos para nos proteger ao atravessar uma rua, para escolher uma roupa para uma reunião importante, para explorar os nossos valores existenciais.

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Há também uma ansiedade patológica, que, a grosso modo, pode ser definida como aquela ansiedade desproporcional à ameaça presente. Ela aparece principalmente de duas formas: na impossibilidade das escolhas e na impulsividade das escolhas. 

A liberdade e os valores que levam à ansiedade na adolescência

Um dos mais sérios problemas para o adolescente é que sua liberdade é muito maior que sua maturidade, o que causa ansiedade, muita ansiedade.

Em outros termos: o adolescente de hoje é chamado a fazer escolhas cedo demais, quando ainda não está suficientemente amadurecido para dar conta de tão importante empreitada. Dessa forma, o que deveria ser liberdade transforma-se em desamparo. Ou seja, em liberdade sem consistência.

A partir do advento do capitalismo, o ser humano já não está mais inserido de maneira natural e imutável numa situação social. Pelo menos em tese, o ser humano já pode escolher seu lugar no mundo, já pode escolher seus valores, o que acabou por enfraquecer uma ética baseada nos costumes, na repetição, de geração a geração, dos valores e comportamentos.

Dessa maneira, a liberdade, enquanto categoria ética, acaba por viver um crescimento perante os outros valores, substituindo, de certa forma, a antiga busca da felicidade como valor supremo. Se antes a liberdade sequer era pensada como valor, agora a felicidade depende da liberdade.

A liberdade precoce e seu problema na ansiedade na adolescência

O problema não está na maturidade do adolescente, mas na liberdade que lhe é concedida de maneira precoce, sem que se dê tempo para que ele conquiste sua capacidade de escolha pouco a pouco, par a par com o amadurecimento.

O amadurecimento humano se dá passo a passo, tem fundamento no desenvolvimento psicológico, nas relações sociais e no corpo – vale dizer: no vivido. Há um ritmo de amadurecimento humano que praticamente não pode ser acelerado, a não ser sob duras penas posteriores.

O amadurecimento, que é a passagem da preponderância do suporte ambiental para a preponderância do auto-suporte, se dá ao longo do tempo. Do mesmo modo acontece com a assimilação dos valores recebidos da família e da sociedade. A transformação desses valores heterônomos em valores autônomos também se dá ao longo de um amplo e necessário transcurso de tempo.

Quando se exige o apressamento dessa travessia, abrem-se as portas para a ansiedade. É óbvio que não é apenas a passagem do tempo que produz o amadurecimento: tão importante quanto o tempo, são o suporte ambiental e o suporte pessoal que a criança e, posteriormente, o jovem terão para consolidar seu desenvolvimento.

Falta de apoio e exemplo de pessoas próximas

O apoio e o exemplo de familiares e/ou pessoas afetivamente importantes é fator imprescindível. A colocação clara, por parte das figuras de autoridade, de limites e de responsabilidades alinhados com o estágio de desenvolvimento facilita o amadurecimento da criança e do adolescente.

O excesso ou a falta extremada de limites inibem o desenvolvimento. Assim, sofrem do mesmo mal de imaturidade aquele jovem que é impedido de experimentar ampliações em suas fronteiras e aquele jovem de quem nada lhe é exigido, tudo lhe é perdoado.

O jovem sem liberdade tem seu desenvolvimento tão prejudicado quanto o jovem com liberdade ampla demais, e os dois, porque desamparados, são vítimas fáceis da ansiedade patológica.

Este é um dos mais importantes problemas que está posto para o adolescente de hoje, essa é uma das mais importantes causas de sua ansiedade: um desamparo que acarreta, paradoxalmente, uma exigência exagerada perante os jovens. Eles têm que fazer escolhas e tomar atitudes para as quais ainda não estão suficientemente amadurecidos. Eles não têm o necessário suporte ambiental que lhes propicie fazer escolhas com a necessária tranquilidade dentro do necessário tempo.

Escolher, o ato supremo de liberdade, é capacidade cuja maestria construímos com paciência, ao longo do tempo e apoiados por um adequado suporte ambiental. O mundo pós-moderno globalizado, rouba dos jovens a possibilidade da paciência, da construção de si com tempo necessário e suficiente.

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Cultura da agilidade e rapidez constrói adolescentes ansiosos

Nossa cultura impõe rapidez e agilidade, privilegia excessivamente a novidade, quer a mudança sem a estabilidade que a sustente, confunde desejo com necessidade, provoca a ilusão de que se pode ganhar sem perder, a vã ilusão de que não são necessários sacrifícios para que se tenha felicidade. 

O tempo hoje é o tempo do já. É aqui e agora. Liberdade sem limites e sem responsabilidades. Vida sem frustrações. Amor líquido. Tolerância passional. Saúde só corporal. Responsabilidade social só com os iguais. Honestidade relativa. Beleza narcísica. Solidariedade estratificada. Urgência. Fast food, fast existence, fast death. 

Dizendo de outra maneira: vivemos em um mundo em que a liberdade se tornou de tal maneira o valor fundamental que é quase como se ela fosse o único valor pelo qual as pessoas devessem guiar suas vidas. Isso faz com que a liberdade se transforme em desamparo.

Passa-se a exigir do jovem que ele saiba o que não pode ainda saber, que ele faça o que ainda não pode fazer sozinho, que ele escolha o que ainda não pode escolher sozinho. Assim, a liberdade passa de valor básico e legítimo para valor único e soberano, melhor diria, tirano. 

A maneira que me parece a melhor para lidar com esses excessos da liberdade é trazê-la para seu devido lugar, um valor dentre valores, ou seja, desinflacionar a liberdade de modo a que ela possa ser vivida de modo pleno e enriquecedor. A ansiedade do jovem de nossos tempos pode ser significativamente diminuída se o ajudarmos a discutir valores e a encontrar os seus próprios valores no seu próprio tempo.

Os valores e a ansiedade na adolescência

Se é fato que hoje não temos mais, um valor absoluto ou universalmente válido, também é fato que há alguns valores que alcançam quase que uma unanimidade em nossa cultura, ao menos como ideais: o amor, a honestidade, a justiça, a solidariedade, a beleza, a saúde, a responsabilidade social, a paz, a tolerância e o conhecimento são alguns exemplos de valores que norteiam as escolhas da maioria das pessoas hoje em dia. 

A todos eles a liberdade permeia. Na ideologia globalizante, ela o faz de tal forma que corre o risco de se tornar um valor absoluto, diluindo todos os outros e gerando ansiedade, porque, se a liberdade é um rio, os outros valores são suas margens. Uma vez retiradas as margens, o rio se espalha e desaparece na areia, gerando uma ansiedade seca, matriz de violência e de desespero. 

A ansiedade que percebemos em muitos dos jovens de hoje tem, dentre outros, um fundamento bastante claro. Grande parte dos valores que lhes são ensinados (principalmente através de exemplos) não tem ressonância em seu íntimo. O jovem quer crescer, mas depara-se com uma ideologia que lhe fecha as portas para esse tipo de desenvolvimento e lhe propõe a saída do prazer imediato e da liberdade sem limites.

A ansiedade patológica é uma das maneiras de se baixar o volume da consciência moral. Ansioso, o jovem não pára para perguntar-se acerca do que considera um bem e do que considera um mal. Não questiona as regras que lhe são impostas principalmente pela mídia e pela publicidade. Não questiona a coerência e a congruência de seus pais, de seus pares e de sua sociedade. Por fim, não se dá conta de quais valores orientam sua vida e suas escolhas. Escolhe compulsivamente, mais apoiado em desejos aprendidos que em desejos sentidos. 

Os medos mais comuns na adolescência

Possibilidades para quem tem ansiedade na adolescência

Para ajudar nossos jovens na construção de sua autonomia de forma saudável penso que devemos orientar e sugerir questionamentos como:

  1. Tomar consciência de quais regras norteiam sua postura diante da vida; 
  2. Tomar consciência de como age no seu cotidiano; 
  3. Questionar e assumir como seus, ou não, os critérios pelos quais se norteia; 
  4. Verificar o grau de proatividade nessas escolhas; 
  5. Verificar a congruência e a coerência das atitudes e das escolhas. 

A função dessas discussões é facilitar ao jovem a lidar com seus horizontes, principalmente em dois sentidos: primeiro o horizonte enquanto meta, enquanto destino e utopia; segundo, o horizonte enquanto roteiro, enquanto referência.

Para concluir, quero dizer que a boa liberdade, a liberdade livre da ansiedade patológica, é um rio que, margeado por bons e autônomos valores, corre em direção a um horizonte plausível, acessível e saudável.

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